Eu sou mulher de estivador há 10 anos e posso dizer que não é tarefa fácil, pois temos de ser sem dúvida supermulheres. Temos de ser esposa, mãe/pai, amiga, dona de casa… E digo isto porque o nosso pilar principal tem dias que trabalha 16 a 24 horas, ou até mesmo 48 horas, caso não haja mais ninguém para os substituir.
Enquanto isso, cá em casa a sua ausência é sentida não só por mim mas principalmente pelos nossos filhos. Eu sei sem dúvida que é por nós que ele tem de trabalhar tantas horas, uma vez que eu sou desempregada e é só um ordenado para governar a casa e a nossa família que é constituída por quatro elementos.
E quantas vezes eu fico com o meu coração apertado e cheio de ansiedade à espera que ele regresse a casa são e salvo, uma vez que esta é uma profissão de risco, principalmente quando têm de fazer serviços na base com condições climatéricas nada favoráveis, assim como noutros serviços em que têm de andar em cima de contentores com 8 metros de altura ou mais a engatar os cabos, e muitas outras situações que podem originar acidentes. E eu posso falar disso melhor que ninguém, porque para além do meu marido também tenho dois irmãos estivadores. Um já sofreu graves acidentes e num deles ficou com marcas para o resto das nossas vidas. Ainda hoje é complicado gerir isso emocionalmente, principalmente para os meus pais foi muito complicado. Mas com bons pilares em casa e com muita união, fé e amor, tudo é ultrapassado a seu tempo.
É difícil ser mulher de estivador, pois nunca podemos planear nada em família ou com amigos porque eles têm de estar sempre disponíveis para trabalhar como se fossem médicos e tivessem que ir salvar uma vida. É triste mas é verdade.
Quantas vezes já não nos aconteceu estarmos numa reunião familiar ou com amigos ou mesmo na escola dos miúdos e de repente toca o telefone e o meu marido simplesmente nos deixa para ir cumprir o seu dever de estivador!
E o salário? Esse dito salário que as pessoas tanto referem e que não é na realidade nada comparado ao que o meu marido trás para casa. Pois fiquem a saber que o ordenado que entra na minha casa é de 1300€, para poder governar uma casa com todas as despesas de uma família normal, ou seja pagar água, luz, gás, saúde, educação, etc.
Mas o mais difícil de gerir mesmo é as perguntas dos nossos filhos, como por exemplo: “Mãe, por que é que o pai não me pode ir buscar à escola um dia?” “Por que é que o pai não vai ao acampamento de pais dos escuteiros?” “Mãe, os meus amigos perguntaram por que é que o pai nunca anda connosco?” E a que mais me entristece: “Mãe, o pai hoje vem para casa?”
Aí, sim, temos de ser supermulheres e darmos a melhor resposta possível.
Mas difícil, difícil, tem sido agora nestes últimos meses com o que temos vindo a passar com toda esta situação que eu já não aguento mais e que para mim chegou aos limites dos limites! Então nós pagamos os nossos impostos, pagamos as nossas contas a horas, não devemos nada a ninguém e depois deparamos com a falta de pagamento de salário sem qualquer motivo para tal?!
Não aceito que os patrões digam que não há dinheiro para salários, quando ouvimos dizer na comunicação social que ouve um crescimento económico no porto de Lisboa. Então onde anda o dinheiro?
Também não entendo o porquê deste braço de ferro dos patrões!
Eu, mulher de estivador, não sou uma coitadinha e não quero ser vista como tal, porque o que eu e a minha família temos e o que queremos ainda conquistar, queremos fazê-lo com o suor do nosso trabalho, porque esse é o nosso maior orgulho!
Eu só quero ter uma vida humilde, digna e feliz com a minha família, como qualquer outra família!
Nós só queremos ter uma vida normal como uma família normal.
Os estivadores são uma família com muitas flores.
Juntos vamos formar um jardim.